sábado, 16 de outubro de 2010

O Homem que falava Djavanês

Essa é uma história verídica, entao preste muita atençao nessa linda história.

Eu tinha chegado fazia pouco ao Rio de Janeiro e estava literalmente na miséria. Vivia fugindo de casa de pensão em casa de pensão, sem saber onde e como ganhar dinheiro. Até que um dia, lendo "O Globo", deparei com este anúncio: "Precisa-se de um professor de djavanês".
A audição das músicas de Djavan sempre provocou em mim puro mal-estar físico. Mas, enfim, precisava de grana e decidi fazer o possível para vencê-lo. Naquela semana, fui a todos os barzinhos com música ao vivo da cidade. Perdi a conta de quantas vezes escutei "e o meu jardim da vida ressecou, morreu" ou "amar é
um deserto e seus temores
". Foram sete dias de tortura; contudo, saí deles com o djavanês na ponta da língua. Em vez de mandar meu currículo, achei que conviria visitar o endereço indicado no anúncio.
Era um tríplex de cobertura, decorado com muito dinheiro e mau gosto ainda maior, num dos bairros mais
caros do Rio. Apresentei-me como professor de djavanês e, após ser submetido a inquérito pelos empregados, fui levado à presença do patrão, o doutor Albernaz. Ele me recebeu com um sorriso visivelmente irônico.
-- Então o senhor é professor de djavanês, hein?
-- Sim, sou. Formado em djavanês e com mestrado em beregüê. Tive dez com louvor na minha tese sobre a
influência de Carlinhos Brown na obra de James Joyce.
A tese, obviamente, não existia, mas o doutor Albernaz pareceu acreditar na conversa.
-- Então, só o senhor pode me ajudar. Ouça isto, por favor - e pôs nas minhas mãos uma coletânea do Djavan em CD. Ao notar minha cara de ponto de interrogação, ele contou sua história:
-- Pouco antes de morrer, meu pai me entregou esse CD e disse: 'Filho, tenho certeza de que Djavan canta
coisas muito profundas, mas ouvi suas músicas durante anos e nunca consegui entender porra nenhuma. Só podem ser segredos iniciáticos transmitidos da maneira mais hermética possível. Descubra o significado e você obterá a chave da felicidade.
O doutor Albernaz abriu o encarte do CD e me mostrou uma das letras:
-- 'Obi, obi, obá. Que nem zen, czar. Shalom Jerusalém, z'oiseau'. O que é que significa isso?.
Eu estava tenso com a pergunta do doutor Albernaz. Tantas músicas do Djavan e o velho tinha de querer
saber o que significava a letra de "Obi"? Desgraçado. Se ainda fosse aquela do "o amor que é azulzinho", mas era tarde. Ele tinha os olhos fixos em mim: queria respostas. Todo o sucesso da minha empreitada dependia de uma explicação convincente e imediata. De repente, uma idéia. Começo:
-- Veja bem. 'Obi' é certamente uma referência a Obi-Wan Kenobi, o sábio de 'Guerra nas Estrelas'
interpretado por sir Alec Guinness. 'Obá', por sua vez, remete a 'Djobi Djobá', sucesso dos Gipsy Kings.
Djavan buscou contrastar o lado luminoso e britânico da força com os mistérios nômades da alma cigana. A
mesma tensão dialética pode ser verificada no verso subseqüente, 'que nem zen, czar': a contemplação
espiritual dos monges budistas e o poder absoluto dos czares. Perceba como tese e antítese se resolvem
lindamente na síntese do verso seguinte: 'shalom Jerusalém' é a paz do espírito na divina cidade. É ela que faz a alma se elevar aos céus, como um pássaro ('z'oiseau').Os olhos do doutor Albernaz se arregalaram enquanto eu falava. Dois segundos depois de eu terminar, ele gritou:
-- Que maravilha! Sabia que havia algo de muito profundo nessa letra! O senhor é um gênio da hermenêutica, um mestre do djavanês!
Passei a tarde inventando explicações para todas as outras letras do CD - Açaí guardiã..., Kremlin-Berlim-pra-não-dizer-Tel-Aviv..., índio cara-pálida cara de índio... Citei Joyce, Pound, Oswald, Glauber, Zé Celso, Hélio Oiticica e Odair Cabeça de Poeta: name-dropping é comigo mesmo.  Daí por diante, minha ascensão social estava garantida. Eu era o único intelectual do país capaz de traduzir a transcendência da linguagem de Djavan. Tinha prestígio acadêmico e subsídio do Ministério da Cultura; gostosíssimas estudantes de lingüística
rasgavam as roupas e se atiravam aos meus pés. Mas troquei tudo por um violão, sandálias de couro cru e
um penteado novo. Mudei até meu nome graças ao djavanês.

Hoje me chamo Jorge Vercilo e sei que "nada vai me fazer desistir do amor"...

Um comentário:

  1. Como diz DJAVAN: Que graça sem graça disfarça e sai para lá.......inventa outra esta não coloca.
    tens que ser realmente muito sem amor e sentimentos,romantismo.
    Ou és louco pois poeta não se explica se senti com alma e coração......Cuidado aí esta faltando os dois,rs.rs.rs.

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